Por Giovanna Gonçalves de S. Varandas[1]
Prestem atenção neste caso hipotético:
Em meio a uma disputa jurídica, a Construtora Avanço Futuro ingressou com ação declaratória de inexistência de obrigação tributária relativa ao Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI
) na cessão de direitos possessórios requerendo entre seus pedidos, a repetição indébito. Ocorre que a Secretaria da Receita de seu município resolveu cobrar dois ITBI’s ao verificar que na escritura pública de um lote de terreno de sua propriedade havia o registro de uma cessão por procuração para a senhora Amanda, que nunca tomou posse do imóvel, realizada há 5 anos atrás à transação efetiva da compra e venda deste imóvel ao senhor Roberto. Na ação requereu liminarmente que, no momento do registro, apenas uma taxa fosse paga ao invés de duas, mas que não a impedisse de concretizar a venda do imóvel a um terceiro por falta de pagamento do ITBI na última transação.
O Enredo:
Amanda vendeu um lote de terreno para Roberto Almeida com anuência da construtora (respeitando o contrato de promessa de compra e venda), de modo que na escritura de compra e venda restou informado que o terreno de propriedade da Construtora Avanço Futuro, cedeu por procuração para Amanda que o vendeu para Roberto.
Importante sinalizar que a cessão de direitos mencionada ocorreu há cerca de 5 anos atrás para Amanda por procuração, mas sem que ocorresse a sua efetiva posse, nem a translação do instrumento no Cartório de Registro de Imóveis da região.
Pois bem, de fato, a transmissão efetiva do bem somente ocorreu entre a construtora para Roberto através da transação comercial de Amanda para Roberto Almeida (respeitando a previsão contratual de anuência), desencadeando a surpresa da Construtora diante da dupla incidência do ITBI.
A Jurisprudência:
O embate jurídico ganha respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vem consolidando o entendimento de que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão efetiva da propriedade. A Súmula 83/STJ reforça essa posição, tornando inexigível o tributo no contrato de promessa de compra e venda[2].
A Construtora Avanço Futuro, respalda-se pela legislação e jurisprudência, para requerer que, no momento do registro, seja pago apenas um ITBI por parte do comprador final, Roberto Almeida. Este caso não apenas destaca a luta contra a cobrança do ITBI na cessão de direito, mas também, reforça a importância de uma interpretação precisa e alinhada com a legislação vigente.
O Fundamento:
O Artigo 201 do CTN e Jurisprudência: ITBI na Cessão de Direitos - Uma Perspectiva Atualizada
O Artigo 201 do Código Tributário Nacional delineia os eventos que caracterizam o fato gerador do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Destacam-se duas situações: a transmissão de propriedade ou direitos reais, ocorrendo no momento do registro, e a cessão de direitos, com o fato gerador na lavratura do instrumento.
O debate sobre a legalidade da cobrança do ITBI em casos de cessão de direitos ganha destaque. Em recente jurisprudência do TJPB, ao analisar um processo de apelação cível, a 3a Câmara Cível reconheceu que o registro do contrato de cessão de direitos não configura o fato gerador do ITBI. Essa decisão representa uma perspectiva atualizada, contrariando entendimentos anteriores que incluíam a promessa de compra e venda no rol de eventos tributáveis[3].
No caso em testilha, é importante observar o seguinte:
Temos a incidência de um ITBI por um registro de uma cessão ocorrida em tempo pretérito na escritura pública da cessão de direito (5 anos atrás), seria válido então realizar uma cobrança do ITBI numa Cessão de direito realizada a tempo pretérito registrado no matrícula do imóvel, na mesma oportunidade da incidência do fato gerador do registro da compra e venda (momento de efetiva transferência do bem para 2 pessoa)? não deveria ter sido cobrado no momento do registro pela incidência do fato gerador da cessão? E mais, teria caducado o direito a cobrança por decorrer 5 anos do fato do registro na matrícula do imóvel do contrato de cessão?;
Levando em consideração essas questões, encontramos na legislação pátria que o o prazo decadencial para lançar de ofício ITBI não declarados e não pagos é de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ser efetuado[4]. 2.na jurisprudência decisões do STF e STJ que reforçam a posição de que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão efetiva da propriedade.
O entendimento é de que a promessa de compra e venda, enquanto contrato preliminar, não ensejaria na cobrança do ITBI, conforme consolidado na Súmula 83/STJ[5].
Além disso, assim como a promessa de compra e venda, a cessão de direitos só se torna um direito real após o devido registro na escritura do imóvel no registro imobiliário e a incidência do imposto em destaque, segundo entendimento jurisprudencial recente tem se dado a um, com a comprovação da transmissão do bem ao cessionário no momento da transcrição no registro do imóvel. Assim sendo, no presente caso hipotético, a cobrança do ITBI à Construtora Avanço Futuro relativa à cessão de direitos para Amanda, ocorrida anteriormente ao instrumento translativo do bem- prazo de 5 anos atrás- logo, não deveria ter sido realizado a termo futuro para fins de gerar dupla incidência do ITBI, salvo melhor juízo.
A partir da interpretação acima, temos que a cobrança adequada seria no momento do registro da compra e venda do imóvel da Construtora por procuração para Amanda, para Roberto (comprador), evitando a onerosidade excessiva em respeito aos princípios legais da tributação.
Por isso, fique atento e procure os seus direitos!
Giovanna Gonçalves de Souza Varandas
[1] Advogada inscrita na OAB/PB 16442 e OAB/RS 89620A. Especialista e Mestra em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Com experiência no Direito Cível em geral. Autora de artigos jurídicos com publicação em revistas de Segmentação Internacional.
[2] Fonte: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=9194564 data de 29/01/2024
[3] AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. ALEGADA ANTECIPAÇÃO DO FATO GERADOR. CELEBRAÇÃO DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO CÍVEL. Orgão Julgador: 3ª Câmara Cível Relator: Desa. Maria das Graças Morais Guedes.Origem: TJPB - Tribunal Pleno, Câmaras e Seções Especializadas Tipo do documento: Acórdão Data de juntada: 13/12/2023 Acesso em: https://pje-jurisprudencia.tjpb.jus.br/jurisprudencia/view/AYxlaahtwrA0xiMfPhPV?words=itbi%20e%20cessao# Data 29.01/2024
[4] art. 173, I do CTN
[5]APELAÇÃO. PRETENSÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. ITBI. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Sentença que reconhece a procedência da pretensão anulatória, ao argumento de que a promessa de compra e venda não é fator gerador do ITBI. A jurisprudência do STF e do STJ está pacificada quanto à não incidência de ITBI em promessa de compra e venda, na medida em que se trata de contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo, nos termos do art. 35, II, do CTN. Acerto da sentença. RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJ-RJ - APL: 04328248520138190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL CARTORIO ELETRONICO DA 12 VARA FAZ PUBLICA, Relator: CLÁUDIO LUIZ BRAGA DELL'ORTO, Data de Julgamento: 24/01/2018, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/01/2018)
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